Fraude no INSS: CNJ analisará caso de juiz que reconheceu ilegalidade de descontos, mas negou pedido de aposentado por valor ser baixo
10/05/2025
(Foto: Reprodução) Episódio aconteceu em cidade do interior do RN em 2024. Segunda instância reformou decisão do juiz da comarca de São Miguel. Entidade que fez o desconto indevido é uma das investigadas pela PF por esquema de desvios de pensões e aposentadorias. Plenário do Conselho Nacional de Justiça
Romulo Serpa/Agência CNJ
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai analisar o caso de um juiz da comarca de São Miguel (RN) que negou o pedido liminar de um idoso de 84 anos para suspender descontos não autorizados na sua aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
🧑🏻⚖️O magistrado reconheceu a ilegalidade dos descontos, mas não viu a urgência necessária para acolher o pedido do aposentado sob o argumento de que os valores debitados eram baixos, os abatimentos aconteciam há "tempo considerável" e não havia "perigo de dano concreto".
O idoso de 84 anos vítima dos descontos sem autorização se chama Inácio Martins de Carvalho e é analfabeto.
💵Ele recebe uma aposentadoria no valor de um salário mínimo, R$ 1.412, e todos os meses era descontado em R$ 28,24 a título de uma contribuição para a Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (AAPEN).
🔎A AAPEN está entre as associações investigadas pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria Geral da União (CGU) por fazer parte do “núcleo” do esquema de fraudes no INSS. Os desvios, que começaram em 2019, podem chegar a R$ 6,3 bilhões.
Os descontos na conta do aposentado começaram em abril de 2024 e só foram descobertos, porque o idoso começou a ser assistido pela filha em razão de problemas de saúde. A contribuição equivalia a 2% sobre o valor que o aposentado recebia todos os meses.
Na época, a AAPEN já figurava como ré em 600 ações judiciais nos tribunais de justiça do Rio Grande do Norte e de São Paulo por casos semelhantes.
“É absolutamente incontroverso que o autor desconhece totalmente a procedência dos descontos realizados pela associação requerida – e as circunstâncias indicam que ele de fato se trata de mais uma das milhares de vítimas que vieram a ter seus proventos de aposentadoria reduzidos em função de contratação sem sua anuência”, afirmou a defesa do aposentado.
'Ilícito, mas irrisório'
O juiz da vara única da Comarca de São Miguel (RN), Marco Antônio Mendes Ribeiro, negou o pedido de suspensão liminar dos descontos.
O magistrado entendeu que, apesar de ilícito, a contribuição não autorizada tinha um valor pequeno, o que não justificava a urgência de uma decisão de suspensão.
“Convenço-me de que o pleito realizado em sede de tutela de urgência pelo autor não merece prosperar, eis que o valor cobrado mensalmente pela parte ré, mesmo que, em tese, seja ilícito, é irrisório, de forma a não conseguir retirar a subsistência da parte promovente [o aposentado]”, afirmou.
Segundo o juiz, embora a situação fosse irregular, os descontos não apresentavam "um perigo de dano concreto".
“Além disso, há de se registrar a circunstância fática de que, em regra, esses abatimentos bancários ocorrem há um tempo considerável, o que também demonstra a ausência de perigo na demora do deferimento da liminar”, concluiu o juiz.
O g1 tentou contato com o magistrado por meio dos canais de atendimento da comarca de São Miguel, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Descontos continuaram
Depois de a liminar ser negada, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Nesse intervalo, os descontos continuaram por mais sete meses.
Somente em março de 2025 a contribuição não autorizada foi suspensa pela segunda instância. O desembargador Luiz Alberto Dantas Filho concedeu a liminar e intimou a AAPEN.
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“Não me parece que a alegação de um desconto de baixo valor e um suposto consentimento no mencionado contrato seja suficiente para manter os descontos mês a mês, fato que ocasiona diminuição na renda familiar, causando sérios danos à parte agravante”, decidiu.
O caso ainda aguarda julgamento de mérito pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça.
Reclamação no CNJ
O caso rendeu uma reclamação disciplinar apresentada pela defesa do aposentado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz da primeira instância.
Na peça, a defesa do argumenta que o magistrado Marco Antônio Mendes Ribeiro “desconhece a realidade” de pessoas de baixa renda e pede que a ação seja enviada a outro magistrado para uma análise imparcial do caso.
O relator do caso no CNJ é o corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques.